Eu gosto muito do Animax. Ele foi praticamente o responsável por introduzir toda a cultura dos animes aqui no Brasil entre os anos 2000 e 2010. Não que a TV aberta (Globo, SBT, Band, etc.) não tenha tido seu pedacinho do bolo, mas um canal que transmitia animes 24 horas por dia, 7 dias por semana, merece seu devido reconhecimento.
Conhecemos várias e várias obras de arte nipônicas, e, como éramos receosos quanto às legendas, havia todo um trabalho de dublagem por parte da emissora, aliado a estúdios como a Álamo, que dublou praticamente toda a programação. Foi assim que conhecemos Basilisk, DNA², Excel Saga, Fullmetal Alchemist, Hellsing, Hunter x Hunter, Neon Genesis Evangelion, Serial Experiments Lain, xXxHolic, entre outros.
Assim, chegamos a Saishuu-Heiki Kanojo, popularmente conhecido como Saikano e com o incrível subtítulo “A Última Canção de Amor Deste Pequeno Planeta“. Com seus 13 episódios, sua beleza dura aproximadamente 10 deles.
O cenário é o Japão em guerra, e temos dois personagens principais: Chise e Shuuji, colegas de turma que recém começaram a namorar. Em certo dia, a cidade é alvo de ataques aéreos. Shuuji sobrevive e, no meio dos escombros, encontra Chise, machucada, com aparelhos e armas ligados ao seu corpo. Ele tenta abraçá-la, mas não sente seus batimentos cardíacos — ela se transformou em uma arma.
É uma história triste e melancólica, a ponto de o próprio fansub (a equipe que legenda o anime) avisar, no fim do episódio 10, que, a partir dali, nada de bom acontece, sugerindo não continuar caso se espere um final feliz.
Não sei se escrevo isso como uma recomendação, mas, já que Jodorowsky dizia que “poesia é violência”, por que não? O anime é bem crítico, uma lição que deixa bem explícito o fato de que as guerras só levam a perdas — tentando ao máximo não dar spoiler aqui. Até o 10° episódio, ele consegue te enganar muito bem, a ponto de você não prestar atenção em todo o desastre acontecendo e focar nas relações dos personagens. Eu mesmo demorei para entender a magnitude da situação e, quando notei, já era tarde demais. Mas eu gostei. É uma obra bem fora da curva.
Você sabe o que é um tropo?
Recém terminado Saikano, fui procurar mais sobre o que realmente tinha acontecido com o anime e o porquê daquela abordagem. Sabe quando algo chama sua atenção e você só quer ir mais e mais a fundo? Então, foi aí que caí em um site muito curioso chamado TV Tropes, praticamente uma enciclopédia de tropos da cultura pop. Mas afinal, o que são tropos?
Elementos narrativos básicos que são repetidos tantas vezes que se tornam um padrão, fazendo com que o leitor/espectador reconheça mais facilmente um gênero.
Basicamente, tropos são uma categorização de cada ação, discurso ou situação presente em uma obra.
Como ferramentas, são as partes mais detalhadas que preenchem os espaços entre os elementos de uma história, como os arquétipos dos personagens e os eventos-chave.
Os tropos são necessários para contar uma boa história porque a mistura deles cria a complexidade dos personagens, ao mesmo tempo em que resgata nosso senso de familiaridade — pois já vimos situações semelhantes antes. Por outro lado, os “vilões” de toda história sempre serão os clichês, que usam e abusam da repetição e dos estereótipos.
Exemplos:
Abandoned Pet in a Box – O momento em que o personagem encontra um animalzinho abandonado em uma caixa deixada pelo antigo dono, apenas esperando alguém para levá-lo para casa. Detalhe: na maioria das vezes, o animal poderia facilmente saltar para fora.
I Just Want to Be Normal – “Grandes poderes e grandes responsabilidades.” É aquele personagem que rejeita a ação e a aventura porque deseja levar uma vida normal.
Poor Communication Kills – Situações onde a falta de comunicação ou mal-entendidos permitem que tragédias aconteçam. Muito usado em histórias de mistério.
Pet the Dog – Não necessariamente envolve um cachorro, mas sim o ato de mostrar um vilão (ou anti-herói) interagindo de forma saudável com um animalzinho como uma tentativa de humanizá-lo.
Fiction Isn’t Fair – A ficção não é justa. Refere-se ao comportamento exagerado dos personagens, muito utilizado em obras non-sense e de humor, onde frequentemente os personagens quebram regras, leis ou convenções sociais sem qualquer punição.
Star-Crossed Lovers – Situações como a de Romeu e Julieta, onde dois amantes são separados por forças além de seu controle, como distância, oposição de terceiros ou barreiras intransponíveis.
Claro que muitos roteiristas não pensam a respeito dos tropos quando estão escrevendo, inserindo-os em seus roteiros “sem querer”. Afinal, a inspiração vai muito além de categorias específicas para as situações da ficção e da vida. Ainda assim, vale a pena conferir o site, especialmente se você quer escrever alguma coisa, está enfrentando um bloqueio criativo ou deseja encontrar as situações em comum entre as obras que mais gosta. Eu passei um bom tempo explorando e, definitivamente, voltarei mais vezes — não como roteirista, mas como curioso.
Até mais!
Ernesto J.
P.S.: Como o texto foi bastante oriental, a recomendação de hoje é a faixa “O Segredo do Vermelho Assustado” da ShibayanRecords, uma interpretação da bossa nova difícil de ouvir uma vez só.
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