A Cabeça do Santo e o realismo mágico do Brasil.

Um dos meus livros favoritos do ano, A Cabeça do Santo, de Socorro Acioli, nasceu na urgência. Explico: Em 2006, Socorro descobriu um curso exclusivo que acontecia em Cuba ministrado pelo renomado autor colombiano Gabriel García Márquez. Esse curso era destinado apenas a pessoas próximas ao escritor, mas, mesmo sendo uma estranha até então, Socorro foi persistente. Durante oito meses, ela enviou e-mails suplicando por uma oportunidade de participar.

Por sorte ou destino, um dia ela recebeu uma resposta: naquele ano, as dez vagas não haviam sido preenchidas. Restava apenas uma, mas havia uma condição — Socorro precisava enviar dentro de dois dias, um parágrafo resumindo uma história que seria avaliada pelo próprio García Márquez para aprovar sua participação no curso.

Socorro Acioli, cearense e jornalista de formação, não precisou ir longe para encontrar a ideia genial que buscava. Foi nos recortes de jornais, mergulhando na realidade ao seu redor, que encontrou uma história que poderia também ser mágica. Como dizia o próprio García Márquez: “A vida real é só realismo porque mágica é a realidade.”

As histórias da América Latina são, por si só, repletas de magia — e as do Nordeste brasileiro, ainda mais.

A matéria nos recortes de jornais era sobre uma curiosa “cabeça de Santo Antônio”.

Na cidade de Caridade, a 97 km de Fortaleza, em 1984, durante a gestão do então prefeito Raul Linhares, iniciou-se a construção daquela que seria a terceira maior estátua do Brasil, representando Santo Antônio, o santo casamenteiro. O objetivo era atrair o turismo religioso, assim como a cidade vizinha de Canindé, conhecida pela imponente imagem de São Francisco.

O curioso dessa história é que o corpo da estátua foi erguido no alto do Morro do Serrote, enquanto sua cabeça permaneceu a quase 3 km de distância. Em 1986, a obra foi paralisada por falta de recursos e pela impossibilidade de transportar a cabeça, que era grande e pesada demais para ser levada até o topo do morro.

Quarenta anos depois, a cabeça oca da estátua continua no mesmo lugar, no meio da cidade, dividindo casas e servindo desde abrigo para moradores em situação de rua até outras finalidades mais inadequadas.

Foi a partir desse contexto que a história de Socorro foi aprovada, permitindo que ela começasse o tão sonhado curso presencial com ninguém menos que Gabriel García Márquez, o mais importante escritor da América Latina.

Durante o curso, Socorro apresentou a história de um jovem que, devido a certas circunstâncias, encontra abrigo dentro da cabeça do santo. Lá, ele começa a ouvir vozes – as orações de mulheres que desejavam casar e pediam a intercessão de Santo Antônio.

Gabriel García Márquez, incrédulo com a veracidade dessa história, duvidou que algo assim pudesse existir. Para convencê-lo, Socorro precisou levar fotos da imensa cabeça de Santo Antônio. Ao vê-las, ele exclamou: “Que lugar estranho!”

Finalmente, em 2014, a brilhante história lapidada durante o curso foi lançada ao mundo pela Companhia das Letras.

No livro, conhecemos Samuel, um jovem que, para cumprir um dos últimos pedidos de sua mãe antes de morrer, parte em busca do pai e sua avó que nunca conheceu. Assim, Samuel inicia uma jornada de 16 dias, caminhando de sua cidade natal até a fictícia Candeia.

Ao chegar em Candeia, uma cidade quase fantasma, Samuel encontra sua avó, uma mulher extremamente rude que não lhe oferece abrigo nem menciona seu pai. Sem escolha, ela o manda se refugiar na imensa cabeça do santo.

Lá, Samuel passa os dias focado em cumprir a promessa que fez à sua mãe: encontrar o pai que nunca conheceu. No entanto, algo estranho começa a acontecer. Ele começa a ouvir vozes. Não eram vozes comuns, mas orações – pedidos fervorosos de mulheres a Santo Antônio. A partir desse momento, Samuel ganha um poder singular sobre a cidade.

A Cabeça do Santo é uma história carregada de humor, rica em aspectos regionais e que aborda o peso das crenças e da religião na vida das pessoas. Costumo dizer que este é um livro para qualquer pessoa. Sua narrativa é fluida e envolvente, do tipo que você tenta economizar na leitura só para não terminar rápido demais.

Há ainda um projeto promissor de adaptação cinematográfica da obra previsto para 2025, o que promete trazer essa história incrível para um público ainda maior. Até lá, que tal descobrir tudo isso pelas páginas do livro?

Bjs,

Grazi


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