Lei Cortez e a proteção das livrarias

O objetivo da Lei Cortez (PLS 49/2015) é limitar os descontos oferecidos em livros durante o primeiro ano de lançamento. Assim, todo o comércio, seja físico ou online, poderá oferecer no máximo 10% de desconto sobre o preço de capa estipulado pela editora.

Esse projeto de lei é uma demanda antiga do setor e ganhou força com a chegada da Amazon ao Brasil (sugiro a leitura do meu texto anterior aqui no blog). Em tramitação desde 2015, foi aprovado em turno suplementar na Comissão de Educação do Senado em 29 de outubro de 2024. Agora, o projeto segue para análise na Câmara dos Deputados e, se aprovado, ainda passará pela sanção presidencial.

Esse modelo de lei já existe em outros países, como Alemanha, Austrália, Portugal e México. Na França, por exemplo, a Lei Lang estabelece um desconto máximo de 5% durante os dois primeiros anos após o lançamento.

No texto inicial da PL, encontramos uma diretriz clara que considero o grande motivador dessa lei:

 “V – Permitir o exercício da livre concorrência e coibir o abuso de poder econômico, dominação de mercado, aumento arbitrário de lucros…”

Apesar de ser uma pauta recorrente para nós do mercado livreiro, o grande público só tomou conhecimento do tema neste ano. Nas últimas semanas, temos visto discussões acaloradas sobre o assunto, o que infelizmente traz consigo uma onda de opiniões, suposições e desinformação. Um exemplo comum é a afirmação de que “com a lei, o preço do livro vai aumentar”.

A lei NÃO É SOBRE AUMENTAR O PREÇO DO LIVRO, MAS SIM SOBRE ESTABELECER UM LIMITE DE DESCONTO.

Vale lembrar que o livro sempre teve preço de capa, definido pela própria editora no lançamento. Algumas editoras fazem ajustes anuais nos valores dos livros já lançados, o que, por consequência, também impacta o preço dos lançamentos futuros. Mas essa é uma outra questão — sabemos que tudo está caro no país e que aumentos em um setor impactam todos os outros setores.

Na minha opinião, o espanto e a comoção dos leitores vêm de um único motivo: fizeram com que acreditassem que o livro precisa ser vendido com descontos exorbitantes, descontos que são impraticáveis e que só a Amazon consegue oferecer (repito: sugiro a leitura do texto anterior).

Caso a Lei Cortez seja sancionada, depois de 12 meses a Amazon poderá continuar com suas práticas de dumping, oferecendo descontos agressivos nos demais títulos. Nem mesmo a própria editora do livro recém-lançado consegue oferecer grandes descontos. No primeiro ano de lançamento, os livros passam por um processo intenso de trabalho e divulgação, e é raro um título se tornar um fenômeno imediato. Aqui na livraria, por exemplo, entre os 10 livros mais vendidos do ano, apenas dois são lançamentos. Em qualquer lista de mais vendidos, os lançamentos tendem a ser minoria.

Dito isso, tenho algumas considerações importantes:

A Lei Cortez não será a salvação das livrarias, mas acredito que é uma tentativa válida, mesmo que pequena, diante da imensidão de problemáticas que enfrentamos. Claro que os livros deveriam ser mais baratos — afinal, estamos falando de cultura e conhecimento. Deveríamos ter políticas públicas de incentivo à leitura e isenções na cadeia de produção do livro para ajudar a reduzir os custos. Ninguém está negando isso.

Em 2015, o livro “As Cinco Linguagens do Amor” custava 34,90 reais. Hoje, em 2024, ele custa 69,90 reais, mas na Amazon é vendido com 42% de desconto, um desconto maior do que eu, sendo livreira, consigo ao comprar do distribuidor. Mesmo que o valor tivesse permanecido o de 2015, a Amazon ainda aplicaria o mesmo desconto de 42%, e o problema continuaria o mesmo. Assim, mesmo que um livro custe 10 reais, você o encontrará na Amazon por 2,50 reais — o abuso de poder econômico continuaria.

No mais, continuaremos atentos a quaisquer alterações e acompanharemos de perto o andamento desse projeto para ver se ele realmente avançará.

“Sua produção, meus braços
Seu lastro, o meu trabalho
Se não dançam todos, não dança ninguém.”

Bjs,

Grazi


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