Muitas vezes, nossa primeira impressão sobre um filme vem pelo título. É como se essas pequenas palavras guiassem nosso interesse em consumi-lo. Para isso, precisam ser coesas, chamativas e, principalmente, memoráveis.
Antes de tudo, é importante entender a diferença entre tradução e adaptação:
Tradução: Na maioria das vezes, é literal. Mantém a estrutura e o sentido original da obra. Gírias, costumes e contextos permanecem intactos, preservando a essência do idioma original.
Adaptação: Aqui, a obra é ajustada para se encaixar nos padrões culturais do público-alvo. Isso a torna mais acessível, trazendo referências locais e até alterações no conteúdo, garantindo que a mensagem seja 100% compreendida.
Imagine alguém te chamando para assistir a um filme assim:
— Oi, vamos no cinema ver “Serra”?
Agora responda:
- O que é “Serra“?
A) Um documentário sobre serralheria
B) A biografia de José Serra
C) Um filme sobre a Serra Spri, o refrigerante da família
D) A tradução literal de Saw (2004)
Se você escolheu D, parabéns. No Brasil, a adaptação do título Saw resultou em Jogos Mortais, um nome bem mais sugestivo que, além de abraçar o sentido do filme, agrada o espectador. Ao contrário de Serra, sua tradução literal, que pouco atrairia atenção. Em inglês, o título faz sentido, pois, além de uma serra ser um objeto crucial no filme, o vilão também se apresenta pelo nome Jigsaw. Porém, traduzi-lo literalmente perderia impacto.
Uma curiosidade é que já existiu outro filme com o título Jogos Mortais, desta vez vindo de uma tradução literal. Ele se chama Deadly Games e foi lançado em 1982.
Os principais responsáveis pelas adaptações e traduções de títulos de filmes no Brasil são as equipes de marketing das distribuidoras locais. Penso que, hoje em dia, esse trabalho não seja tão complicado, mas até pouco tempo atrás, quando o objetivo era encher salas de cinema e vender DVDs a rodo, observávamos muitas adaptações fora de série.
Uma adaptação que me chama muito a atenção é a de The Funhouse (1981), um filme de terror slasher que se passa em um parque de diversões. A tradução literal seria A Casa Divertida, algo totalmente sem graça e fora do gênero, podendo até ser confundido com um filme infantil. Já a adaptação brasileira recebeu o título de Pague para Entrar, Reze para Sair; simplesmente incrível.
Outro caso bem curioso é o de Pierrot Le Fou (1965), do Godard. A tradução literal seria Pedro, o Louco, mas, por algum motivo, aqui no Brasil, o título ficou O Demônio das Onze Horas. Não assisti ao filme, mas acredito que o título brasileiro tenha alguma relação com a história.
Há também casos de filmes que mantêm o nome original para não perder o sentido, mas acabam recebendo um subtítulo para facilitar o entendimento do público. Exemplos disso são Pulp Fiction, que ganhou o subtítulo Tempo de Violência, e Blade, com O Caçador de Vampiros.
A seguir, uma tabela apresenta alguns filmes com suas adaptações brasileiras em comparação às traduções literais.
Adaptação | Tradução | Original |
---|---|---|
Deu a Louca na Chapeuzinho | Enganado! | Hoodwinked! |
Divertida Mente | De Dentro Para Fora | Inside Out |
Pânico | Grito | Scream |
Poderoso Chefão | O Padrinho | The Godfather |
Premonição | Destino Final | Final Destination |
Prova Final | A Faculdade | The Faculty |
Todo Mundo em Pânico | Filme de Terror | Scary Movie |
Tubarão | Mandíbulas | Jaws |
Recentemente, assisti a Funny Games (1997), do Michael Haneke, um filme austríaco de drama/terror psicológico e talvez um dos melhores casos de adaptação: na tradução literal, Jogos Divertidos; na adaptação brasileira, Violência Gratuita. Já tinha ouvido falar que era uma obra diferente, mas não sabia exatamente por quê, então resolvi dar uma chance. O filme é pacífico, mas ao mesmo tempo caótico, e, como em todo terror, você automaticamente espera sustos ou sangue na tela, mas aqui isso não acontece.
ATENÇÃO: O trecho a seguir contém SPOILERS de Funny Games (1997). Siga por sua conta e risco.
Uma família é sequestrada por dois jovens em sua casa de campo, depois de um deles pedir ovos emprestados.
Essa é a história.
Tudo é meio besta nesse filme, só que de um modo genial. Não há motivação por trás do crime dos jovens, e a todo momento o filme tenta te convencer de que há uma forma de a família escapar. Seja dando-lhes uma arma, um telefone, uma maneira de se comunicarem ou através de um jogo de câmera muito bem feito que sugere que as coisas podem terminar bem. Até que, em um determinado momento, depois de muita violência, um dos jovens quebra a quarta parede, olha diretamente para você e te questiona:
- Já chega?
- Você quer um final real, com um desfecho plausível, certo?
O filme deixa bem claro que você, além de espectador, também é cúmplice, tão culpado quanto os dois jovens. Afinal, você tem o controle remoto nas mãos e escolheu assistir a um filme com o título Violência Gratuita por vontade própria. Não há reviravolta, apenas violência gratuita.
Um detalhe interessante é que não há violência explícita no filme; são mostrados apenas os momentos pré e pós-violência, deixando sua imaginação trabalhar. Além disso, as cenas dramáticas têm uma duração bem mais longa que o habitual, causando desconforto e reforçando ainda mais o seu papel como cúmplice.
Então surge a dúvida: o que é o correto? Adaptar ou traduzir? O ovo ou a galinha? São diferentes pontos de vista, mas é inegável que as adaptações desempenham um papel essencial no processo de globalização. Elas ampliam nossa visão e nos introduzem a outras culturas e tradições, permitindo que continuemos conectados nessa enorme teia de aranha chamada mundo.
Até mais!
Ernesto J.
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