Quando os pais são mais cinéfilos do que deveriam

As pessoas dizem que tenho o nariz da minha mãe e a boca do meu pai. Eu prefiro dizer que tenho o gosto da minha mãe, por filmes de suspense, e a paixão por filmes bem dublados, como a do meu pai.

Minha mãe assiste muita coisa. Ela já viu praticamente tudo da Netflix, e o algoritmo, aparentemente, não consegue mais agradá-la tanto. De vez em quando, ela me pede recomendações de filmes para assistir. Uma vez, recomendei Estômago (2007), do Marcos Jorge, um dos melhores filmes brasileiros que já assisti. Como ela já é fã de carteirinha da comédia brasileira, curtiu demais. Ela também gosta de suspense e, na última vez, assistimos juntos O Iluminado (1980), do Kubrick. Eu só tinha visto até a metade, então resolvi assistir inteiro com ela. Foi legal. Depois do filme, fomos procurar um “final explicado”, como todo bom pseudo-cinéfilo.

Convenhamos que essa cena é do caralho.

Mas se tem uma coisa que eu acho impressionante é o fato de o meu pai ter um grande conhecimento sobre cinema sem a menor intenção. Ele, na faixa dos seus 50 anos, conhece qualquer ator que aparece na TV e já assistiu mais filmes do que eu possa imaginar. E é aí que mora a magia: nenhum desses filmes tem status cult, é de outra língua ou preto e branco de mil novecentos e lá vai pedrada.

Já percebi que os requisitos para ele assistir a um filme são, por ordem de maior importância:

  1. Dublagem (A paixão pela dublagem é tanta que ele simplesmente não assiste a filmes legendados. Brincadeira, provavelmente ele só não se importa tanto com isso.)
  2. Nome Legal (Como fã nº 1 de OS MERCENÁRIOS, esse é um dos critérios essenciais.)
  3. Alguma Pessoa do Elenco Já Conhecida (Se tiver qualquer um de Os Mercenários, ele com certeza já assistiu.)

Muitas vezes perguntei se ele já tinha visto algum daqueles filmes, sabe, aqueles que todo cinéfilo gosta de dizer que são os favoritos: o famoso written and directed by Quentin Tarantino, o tal do Scorsese absolute cinema, ou o Kubrick. E ele sempre respondia que nunca tinha visto nenhum deles. Por muito tempo, nossos únicos filmes com status — entre muitas e muitas aspas — “cult” em comum eram Ilha do Medo (2010), com Leonardo DiCaprio, e O Silêncio dos Inocentes (1991), com Anthony Hopkins.

Um homem simples, assistindo ao que a programação da TV oferece no guia, nem usa streaming direito. Esses dias, entrei no quarto e ele estava assistindo Não! Não Olhe! (2022), do Jordan Peele. Como eu ainda não tinha visto, perguntei a ele qual era a do filme. Ele disse que não tinha entendido direito porque, quando colocou no canal, o filme já tinha passado da metade. E preocupação zero: outra hora ele volta para assistir o começo.

Talvez esse seja o segredo. Começo a pensar que essa corrida de alguns para ter um Letterboxd cheio no final do ano, assistindo a todos os filmes mais cults e undergrounds possíveis, despejando ódio em qualquer obra feita para o grande público apenas para suprir a necessidade de consumir conteúdo “alternativo” e se sentir “superior”, só serve para criar um abismo entre gerações. De um lado, temos aqueles que se preocupam mais com as notas do IMDb e do Rotten Tomatoes; de outro, uma geração onde o único vestígio de notas para entretenimento era uma coluna bem escondida de um crítico chato e de opinião insalubre em algum jornal de notícias.

No fundo, escrevo isso meio como uma autocrítica. Passei por uma fase assim quando criei minha conta no Letterboxd. Queria criticar tudo e todos, mas nunca sabia o que escrever. Quando caí na real, desisti. As coisas são mais simples do que parecem: se a experiência foi boa, então é bom.

Como meus pais sabem tanto? Simplesmente vivendo.

No fim, notas não importam.


PS: Fun Fact sobre “O Silêncio dos Inocentes (1991)”:

Rola um efeito mandela em muitas pessoas que assistiram ao filme O Silêncio dos Inocentes. Na cena em que Hannibal encontra Clarice pela primeira vez, muitos acreditam que ele diz “Hello, Clarice”, mas na cena original ele fala “Good morning!”. Parece que a confusão surgiu de um filme do Jim Carrey, onde ele faz uma piada sobre o canibalismo de Hannibal e usa essa frase.

Masss, na minha teoria — na minha visão de mundo “perfeito” — a confusão veio do Jigsaw, de Jogos Mortais (2004), que sempre manda o clássico “Hello (insira o nome do sortudo da vez aqui)” antes de começar um jogo. O tom de voz baixo e calmo dos dois personagens é bem parecido. Mas, como Jogos Mortais foi lançado 13 anos depois, essa teoria é muito improvável. Uma pena, porque seria divertido.


PS²: De vez em quando, escrevo umas coisinhas no Letterboxd. Aparece por lá!


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